Parei para olhar-me. Era uma foto recente, sem filtro, sem retoques, sem
maquilhagem, o sorriso estava rasgado e o olhar iluminado. Dei por mim a agradecer-me por ter tido a coragem de atravessar a minha dor.
Em tempos, procurei
resolver a vida inteira sozinha, antes de aceitar ser ajudada, antes de me
sentar aqui para que pensássemos juntas, para que você sentisse comigo toda a minha
frustração, raiva e solidão. Por momentos desejei que a doutora pudesse sentir isso
tudo por mim, desejei poder evacuar todas as minhas dores no
seu colo e ir à minha vida mais leve, voltando de semana em semana para fazer
tudo de novo.
Desculpe
se não lhe dei espaço, se a tratei como se não tivesse o direito de existir e
de ter uma palavra. Eu própria não tinha espaço dentro de mim. Precisava de
falar, de falar e de falar. Precisava de falar o não-dito, de
partilhar consigo os anos de silêncio, e confiei que simplesmente me pudesse
escutar e compreender. Eu nem sei bem como e quando é que isto tudo começou;
não me lembro de ter ficado assim... deprimida. Não lhe posso precisar um
momento. Acho que me fui distraindo e adoecendo aos poucos.
Quando
me apercebi, o abatimento passou a fazer parte da minha identidade, quase como
aquela criança que na escola é a mais calada, a mais tímida, a mais
introvertida e melancólica, que não dá trabalho nenhum. Sabe, desconfio sempre
das pessoas que não dão muito trabalho e que fazem sempre tudo bem; desconfio
do governo interno das crianças e dos adultos que se portam bem e especulo
sobre o seu medo, sobre a ditadura, o perfeccionismo, a ordem, a falta de
flexibilidade, de criatividade e de leveza do ser...
O excesso de passado na depressão não me deixava projetar o futuro. Hoje tenho espaço interno, até respiro melhor. Estava aqui a pensar que à medida que comecei a falar mais (com)sigo e não somente para si comecei a conhecer pessoas novas lá fora, pessoas diferentes. Acho que à medida que comecei a ter espaço para si, comecei a ter espaço para o outro e comecei a sentir prazer em fazer e em experimentar coisas novas.
Sentir!
Depois de desatar os nós que me ligavam por dentro às relações e sofrimento passados, comecei a sentir de novo e a ligar-me outra vez (e melhor) ao aqui-e-agora, ao presente. É tão libertador ter a coragem de sentir (sem medo, sem hesitações). Hoje, substituo a desconfiança pela curiosidade, pelo sonho, e vejo-me lá, no amanhã, junto de pessoas que como eu, tiveram a coragem de atravessar as dores da alma, para descobrir uma melhor versão de si mesmos.
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