A fórmula parece simples, mas não é. Todo o casal faz-se destes três elementos: o eu; o tu e o nós sendo que o eu e tu correspondem a cada um dos sujeitos - aos desejos, necessidades, objectivos, aos valores, atitudes e à bagagem e história familiar de cada um - enquanto que o nós, como nos refere Madalena Alarcão no seu livro desequilíbrios familiares, engloba o par e diz, desde logo respeito ao projecto e processo do casal.
Por vezes, ao observar um casal só conseguimos ver isso mesmo, o casal, a relação em si, e escapa-nos as individualidades, o que é singular, subjectivo e próprio de cada elemento. É como se aquelas duas pessoas fizessem tudo a dois, tendo os mesmos amigos, apoiando o mesmo clube, criando uma página de facebook do casal, trabalhando juntos até...
Alarcão diz que na relação de casal, como aliás em qualquer relação diádica, é importante não esquecer que cada pessoa deve valer por si mesma, com as suas potencialidades e as suas fragilidades, pois, como diz Satir também, ninguém consegue carregar muito tempo com o peso do outro sem que ambas as partes fiquem inválidas.
Esta ideia lembra-me uma amiga minha, pintora e designer, que dizia que adorava ouvir o marido falar de finanças porque não percebia absolutamente nada do que ele dizia (!!) como se houvesse ali um mistério naquela linguagem complicada que a fascinava. É uma zona fantasmática que diz respeito só ao outro, ao mundo e subjectividade de cada um e que à medida que parece criar uma distância entre duas pessoas - e nos faz pensar que, se calhar, elas não têm nada em comum - a verdade é que pode favorecer também, curiosamente, uma melhor e mais saudável proximidade entre os elementos do casal.
Como se houvesse para sempre algo que desconheço sobre o outro e que alimenta inconscientemente a minha curiosidade sobre ele. Pressupõe duas identidades diferenciadas, maduras, adultas que regulem o movimento de abertura e de fecho dos limites da relação - das fronteiras da relação - quer em relação ao exterior (família, amigos, trabalho), quer em relação a cada elemento do casal, a cada individualidade.
Porém, nem sempre é assim. A dificuldade em preservar uma individualidade para além da relação conjugal torna o possível processo de separação/divórcio mais difícil, mais angustiado, mais confuso, pois para além de termos de fazer o luto de uma relação, temos de descobrir onde nos deixámos a nós próprios algures na linha do tempo e ir apanhando esses resquícios de nós mesmos, construindo tudo de novo, sozinhos... (Onde ficaram os nossos amigos, as coisas que gostávamos de fazer, os nossos objectivos, a nossa família até?)
"Não gosto dos fins-de-semana. Lá no trabalho não entendo a ansiosa antecipação dos meus colegas pelo Sábado e pelo Domingo. Depois lá vamos conversando e lá vou tentado perceber a diferença entre nós. Na quinta-feira, enquanto almoçávamos, a Ana contava que no fim-de-semana ia à Expo Viagens procurar um desconto para a viagem às Filipinas que tanto deseja fazer no próximo Verão; no Sábado à noite ia jantar com os sogros e pelo meio ia levar o mais novo à uma aula de equitação; no Domingo de manhã ia correr com o mais velho no Guincho. Pensava eu que ao dizer "mais velho" se referia ao filho mais velho, mas não... referia-se, com ternura de cuidadora nata, ao seu marido.
Por vezes, ao observar um casal só conseguimos ver isso mesmo, o casal, a relação em si, e escapa-nos as individualidades, o que é singular, subjectivo e próprio de cada elemento. É como se aquelas duas pessoas fizessem tudo a dois, tendo os mesmos amigos, apoiando o mesmo clube, criando uma página de facebook do casal, trabalhando juntos até...
Alarcão diz que na relação de casal, como aliás em qualquer relação diádica, é importante não esquecer que cada pessoa deve valer por si mesma, com as suas potencialidades e as suas fragilidades, pois, como diz Satir também, ninguém consegue carregar muito tempo com o peso do outro sem que ambas as partes fiquem inválidas.
Esta ideia lembra-me uma amiga minha, pintora e designer, que dizia que adorava ouvir o marido falar de finanças porque não percebia absolutamente nada do que ele dizia (!!) como se houvesse ali um mistério naquela linguagem complicada que a fascinava. É uma zona fantasmática que diz respeito só ao outro, ao mundo e subjectividade de cada um e que à medida que parece criar uma distância entre duas pessoas - e nos faz pensar que, se calhar, elas não têm nada em comum - a verdade é que pode favorecer também, curiosamente, uma melhor e mais saudável proximidade entre os elementos do casal.
Como se houvesse para sempre algo que desconheço sobre o outro e que alimenta inconscientemente a minha curiosidade sobre ele. Pressupõe duas identidades diferenciadas, maduras, adultas que regulem o movimento de abertura e de fecho dos limites da relação - das fronteiras da relação - quer em relação ao exterior (família, amigos, trabalho), quer em relação a cada elemento do casal, a cada individualidade.
Porém, nem sempre é assim. A dificuldade em preservar uma individualidade para além da relação conjugal torna o possível processo de separação/divórcio mais difícil, mais angustiado, mais confuso, pois para além de termos de fazer o luto de uma relação, temos de descobrir onde nos deixámos a nós próprios algures na linha do tempo e ir apanhando esses resquícios de nós mesmos, construindo tudo de novo, sozinhos... (Onde ficaram os nossos amigos, as coisas que gostávamos de fazer, os nossos objectivos, a nossa família até?)
Deixo um exemplo de uma história que ilustra esta situação
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"Não gosto dos fins-de-semana. Lá no trabalho não entendo a ansiosa antecipação dos meus colegas pelo Sábado e pelo Domingo. Depois lá vamos conversando e lá vou tentado perceber a diferença entre nós. Na quinta-feira, enquanto almoçávamos, a Ana contava que no fim-de-semana ia à Expo Viagens procurar um desconto para a viagem às Filipinas que tanto deseja fazer no próximo Verão; no Sábado à noite ia jantar com os sogros e pelo meio ia levar o mais novo à uma aula de equitação; no Domingo de manhã ia correr com o mais velho no Guincho. Pensava eu que ao dizer "mais velho" se referia ao filho mais velho, mas não... referia-se, com ternura de cuidadora nata, ao seu marido.
Eu já tive fins-de-semana assim. Antes de
me divorciar. Custavam menos devo dizer-lhe. Acho que andava mais distraída. A
família do meu ex-marido era assim como a Ana. Era uma família com uma agenda
muito preenchida e eu, que nunca comprei uma agenda, pedia-lhes emprestado as
coisas para fazer. É isso mesmo que ouviu. Eles emprestavam-me um pouco dos
planos deles. Mas eu só tive consciência de que era um empréstimo pouco tempo
antes de lhe pedir ajuda a si e de marcar a primeira consulta de psicoterapia. O
divórcio já tinha acontecido há uns longos meses e eu comecei a sentir-me de
rastos. Os juros daquele empréstimo tinham escalado. Nem saldo tinha para
comprar uma agenda só para mim.
Está a acompanhar-me? Eu às vezes falo
assim, metaforicamente. Imagine se lhe contasse as coisas sem metáforas, com as
palavras a dizer exatamente o que elas significam, sem artifícios. Acho que ainda
não estou preparada para tamanho confronto.
Ando muito confusa sabe. No fim-de-semana
passado um amigo de família casou. Quer dizer, um amigo da família do meu ex-marido.
Mas naquele caso, era sempre eu que tinha a iniciativa de juntar toda a gente e
lá marcava um almoço ou um jantar, de vez em quando. Era eu que comprava as
prendas de Natal para os rapazes. Enfim, não fui convidada para o casamento de
um deles. Também não fui convidada para o aniversário do Afonsinho e nem para a
primeira comunhão da Clarinha. Mesmo que o divórcio tenha corrido lindamente e
que sejamos todos amigos e pessoas civilizadas, percebi claramente que não
éramos todos amigos... Apenas pessoas civilizadas. Na verdade aquela história e
aqueles fins-de-semana nunca foram meus de verdade. Eu era uma convidada, uma
espécie de pessoa que fica sempre no mesmo hotel, que já tem lá conta e quarto reservados,
que tem atendimento prioritário até, mas toda a gente sabe que a única coisa
boa dos hotéis é só o pequeno-almoço. O resto.... É impessoal.
Eu pensei que era pessoal. Que era
meu. Na casa da Isaura havia um grande retrato seu na parede. A Isaura tinha
uns 60 anos e naquele retrato devia ter pouco mais de 26. Era assim, mais
ou menos, da minha idade. Estava linda mas profundamente triste. Acredito que, naquele tempo, o pintor se tenha apaixonado pela tristeza do seu olhar. Um peso que parecia que a sua vida tinha chegado ao fim aos 26 anos. Passava os fins-de-semana presos numa gaiola dourada. Nunca falámos muito, mas
quando assinei a papelada do divórcio e me fui embora, ela disse-me que
admirava muito a minha coragem. Não percebi. Coragem de quê? Coragem para conseguir
comprar uma porcaria de uma agenda só para mim numa loja dos trezentos?
Pois, pensei
que seria mais fácil. Afinal é preciso coragem para deixar de andar distraída e para correr o risco de nos sentirmos orfãos ao fim-de-semana.
A Ana lá do trabalho é diferente. Nota-se que os fins-de-semana dela são só dourados... Sem a tal gaiola. Ela não é menina para gaiolas. Nota-se pelo jeito como ela fala do seu mais novo e do mais velho.
A Ana lá do trabalho é diferente. Nota-se que os fins-de-semana dela são só dourados... Sem a tal gaiola. Ela não é menina para gaiolas. Nota-se pelo jeito como ela fala do seu mais novo e do mais velho.
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