“Tenho saudades dela. Não sei exatamente
de quê. Não passamos assim tanto tempo juntos. Talvez não sinta saudade. Talvez
sinta a falta dela, de um resto de nós que eu ainda não sei e que nem vivi. Isso.
Sinto falta do que ainda não vivemos.
“Ainda” ... Falo como se esse resto ainda fosse
possível: gostava de viajar, de comer um gelado e de passear o cão na praia com
ela, gostava de vê-la a acordar... Nunca acordámos juntos. Não sei se ela acorda bem-disposta,
se é preguiçosa, bem-humorada, se
adormece no sofá a ver séries e filmes. Não sei o que a inquieta. A mim, inquieta-me esta falta. Estas coisas que me faltam saber sobre ela e que apenas consigo imaginar. Acho que ela
tem aquele jeito calmo, lento e distante, mas não sei se será totalmente assim. Gostava
que ela me confiasse as suas coisas. Dizem
que é nessa partilha de experiências só
nossas que nasce a intimidade. Gostava que fossemos íntimos.
Mas ela desconfia de mim. Desconfia que
me refira apenas a outro tipo de intimidade e que nem espere pela madrugada para ver o
jeito dela ao acordar. Tem razão. Falo de intimidade, mas eu próprio tenho os meus
problemas e não sei se me sentiria logo seguro para permanecer ali uma noite
inteira ao pé dela e, se calhar, nem conseguiria contar-lhe as minhas coisas. Não sei o que se passa comigo. Nunca tive jeito para estas coisas.
Estou a contrariar-me, não estou? Eu
tenho estas contradições. Sonho com o que falta entre nós, fantasio com isso,
mas depois... depois se me aproximasse demais, talvez a magoasse sem querer.
Repito sem querer. Supostamente os homens não choram, não deprimem, não falam
sobre estas coisas, mas esta merda é complicada. Sei que sou um bom ouvinte e poderia, pelo menos, ser um bom contentor do mundo inteiro dela.
Somos diferentes. Não somos testos e
panelas e nem metades de laranjas que se completam. Eu acho que ela pensa que
eu não sou capaz de entendê-la, e vice-versa. Mas neste cruzamento de “pensares” há um mistério, como se existisse
algo nela por descobrir para sempre, até ao final dos meus dias. E talvez isso faria com que nunca
nos cansássemos um do outro.
Acha que eu devia convidá-la para passear o cão na praia?
Sem comentários
Enviar um comentário