"O Pedro anda feliz. Parece que anda apaixonado. Talvez isso me chateie, me zangue.
Primeiro, porque enquanto o casamento dele corria mal e o divórcio não avançava, eu apoiava a minha convicção de que não me faltava nada nesse sector - ; e segundo, porque a insatisfação dele fazia companhia à minha; duas vidas meias miseráveis que bebem um Jameson pela noite dentro.
Agora... agora cansa-me aquele ar de parvo, de tolo apaixonado - já nem tem o mesmo rendimento no trabalho. Parece um adolescente. Disse-lhe para se deixar de devaneios românticos, para se focar; para experimentar estar sozinho por uns tempos, ser livre, namorar um pouco aqui e acolá antes de se enfiar noutra. É isso. Queria que ele continuasse sozinho comigo e assim talvez experimentássemos ser adolescentes os dois.
Traiu-me. A mim e ao Jameson.
Ontem ele disse-me: "desta vez é que é!" Como se desta vez tudo o que correu mal no casamento dele tivesse finalmente uma oportunidade de conserto através desta nova relação. Sorri-lhe cinicamente. Não é na avaliação de um estado subjectivo de estar ou não estar apaixonado que se decidem estas coisas...
Enfim, eu e as minhas avaliações objetivas - inspiradas em folhas de excel - daquilo que deve ou não deve ser uma decisão de estar ou não estar com alguém, namorar ou não... como se estivéssemos em mais uma das nossas reuniões de consultoria.
(...)
Acho que preciso de me apaixonar urgentemente. Sair de casa e apaixonar-me, sem cobardices, sem folhas de excel, impulsiva e inconsequentemente como o Pedro. Como dizia o poeta: "o que é preciso é não ter medo, caminhar junto ao precipício e cair verticalmente no vício." Parece-lhe excessivo?
Esqueça!! Ficamos por aqui hoje. Afinal, está tudo bem. Eu já encontrei um bom sentido para a minha vida. Dizem que não podemos ter tudo. E eu, profissionalmente, cheguei onde me propus chegar...
(...)
Preciso de me descontrolar um pouco. Em dois anos tive dois dias de férias, um Sábado e um Domingo. Acho que não queria esgotar todo o sentido da vida nesse lugar onde cheguei; no trabalho, digo. Às vezes penso que se calhar até podemos ter tudo, não é?
Você sorriu. Eu reparei. Escapou-lhe um sorriso. Nunca a vi sorrir. Parece que também leva o seu trabalho muito a sério. Que leva as pessoas e os seus sofrimentos muito a sério. No início duvidei que me pudesse ouvir e entender. É tão nova. Que idade tem? Pergunto-me se tem família... Gosta de Jameson? Deve ter notado que tenho marcado as consultas para as 19:30. Saio do trabalho e venho para aqui. Questiono-me porque recusou que eu marcasse duas consultas numa semana. Deve ter outros clientes mais interessantes... Quer dizer, trabalha muito como eu, imagino... e sai daqui à 20.30 ou às 9h e talvez vá para casa, sozinha. Como eu.
Eu preciso urgentemente de me apaixonar!"
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