Não entendo bem porquê que era assim. E nem sei se quero compreender. Se quero saber e controlar os motivos deste meu jeito de ser. Pensei muitas vezes antes de vir cá falar consigo. Sei tudo sobre si, o seu modelo de compreensão e de intervenção, onde estudou e com quem, li a sua tese, o seu mais recente livro. A dada altura percebi que lá estava eu a preparar-me para me defender, para controlá-la se assim precisasse. Controlo. Sente-se controlada por mim? Não me parece. Você aguenta-me. Aguenta-me com tranquilidade. Quando lhe disse que ia de férias durante um mês, menti-lhe. Não fui de férias para lado nenhum. Andei por aqui, bem perto de si. Não a segui, não se preocupe. Só precisava de controlá-la de longe. De perceber se ia desistir de mim, se se ia zangar, se se ia lembrar de tudo quando eu voltasse, se a sua compreensão ia ser a mesma. E foi!
Encontrei uma pessoa parecida consigo. Fora destas quatro paredes, no mundo lá fora. Não ando propriamente a tentar encontrar uma réplica sua nas mulheres com quem me relaciono, mas achei graça. Há uma constância nela, a mesma constância que sinto em si. Ela não pede socorro, mas também não quer resolver tudo sozinha. Ela aguenta-se e eu aguento-me. Ela deixa-me e eu deixo-a, sem angústia, sem ciúmes, sem medo. E quando eu volto ela está lá, do mesmo jeito que você está aqui quando finjo as minhas férias. Às vezes, nem sei se isto é algo apaixonante, se é amor, se há adrenalina... até parece chato. É chato porque não há chatices entre nós.
Se ela tivesse uma vida do avesso, talvez eu sentisse mais entusiasmo, custa-me deixar a ambulância de socorro na garagem. Estou a um ponto de sabotar isto. Temo que ela não precise de mim. Que o mundo não precise de mim. Temo ser dispensável.
Conversei com eles para me darem alta e soube que você não deixou e disse "quem dá alta aqui sou eu!"
Parece-me que o meu caso não é dispensável para si.
Acho que encontrei uma pessoa parecida consigo lá fora. Alguém que me faz olhar para trás e sentir estranho face a mim mesmo, que me transforma. Afinal não somos discos riscados. Afinal não somos determinados pelo passado, pela infância, afinal isto não é assim tão trágico. Mais do que sermos vítimas do passado, somos responsáveis pelo nosso futuro.
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