Entre a realidade e o romantismo



óculos Ergovisão



Há uns tempos estava eu numa livraria a folhear um livro qualquer cujo título me atraiu quando me deparei com a seguinte passagem: 

Desta vez, o destino virou-se contra mim. Escrevo nas mais abomináveis condições. Tenho o meu trabalho não literário que me magoa incansavelmente a consciência, no quarto contíguo grita o fedelho de um parente que está aqui de visita, noutro quarto o meu pai está a ler para a minha mãe "O Anjo Retratado".... Alguém deu corda a uma caixa de música, estou a ouvir A Bela Helena... Apetece-me fugir para a casa de campo, mas é uma da madrugada.... Para um escritor é difícil inventar um ambiente mais horroroso. A minha cama está ocupada por um parente de visita, que volta e meia se aproxima de mim e entabula conversa sobre a medicina, quando se farta de falar passa para o tema da literatura... É um ambiente assombroso.  Chamo nomes a mim próprio por não ter escapado para a casa de campo, onde se calhar teria dormido à vontade e teria escrito um conto para o senhor, além de que, sobretudo a medicina e a literatura ficariam em paz e sossego. 
Tchékhov para N. A. Léikin. Entre 21 e 24 de Agosto de 19883, Moscovo.

Mais ou menos pela mesma altura li uma entrevista da escritora Corinne Maier em que ela dizia que ter filhos não só a deixou exausta como também a levou à falência. Considera ainda que vivemos numa sociedade obcecada por crianças que são consideradas uma garantia de felicidade e um desenvolvimento pessoal. A escritora disse que que criar um filho é sinónimo de 1% de felicidade e 99% de preocupação. Deixa ainda uma mensagem às crianças, dizendo-lhes: 

"Crianças, bem-vindas e boa sorte na entrada neste mundo podre que os teus pais, que te amam muitíssimo, te deixaram..."

Depois de ler estas passagens lembrei-me ainda de uma viagem de taxi que fiz do Parque das Nações até ao Lumiar onde o senhor taxista partilhava comigo uns pensamentos sobre os adolescentes. Apesar de todas as fantasias negativas associadas à adolescência, compreendida como uma fase confusa, marcada por movimentos de dependência e independência, pela atração pelo risco, pela experimentação de papéis, pelas dúvidas, radicalismos, pela rebeldia... apesar disso tudo, disse-lhe que admirava os adolescentes pois são eles que têm nas mãos as tarefas mais difíceis da vida: a busca pela sua identidade, a conquista da autonomia e ao mesmo tempo a conquista do objecto de amor. Os pais tem de reaprender a ser pais de filhos que estão a aprender a ser adultos; os pais tem medo de perder o poder e os filhos querem conquistá-lo; os adolescentes querem ser únicos na sua identidade quando o próprio termo identidade remete para o que é idêntico e não para o que é diferente e singular! Como se não bastasse os adolescente têm de integrar tudo isto a par e passo com o luto do corpo infantil e com as mudanças, com o amadurecimento a nível cognitivo e corporal que vão sofrendo todos os dias. 

Uma discussão entre o meu cunhado e a minha afilhada pré-adolescente terminou assim:

- Eu tenho de te pedir desculpa, filha. Eu esqueço-me que tenho 41 e tu só tens 11 e, de facto, tu ainda não consegues compreender o que eu gostava que compreendesses. 
- Pois, eu também peço desculpa pai. 

Podia escrever um blog inteiro sobre a adolescência, mas quero aqui discutir estas leituras que fiz e esta conversa com o simpático e cansado taxista que conheci. Talvez porque em todas estas conversas e passagens se sente uma carga negativa associada à família, à parentalidade, à adolescência, a um certo cansaço que todos sentimos uns em relação aos outros e um desejo latente de liberdade, de independência, de solidão.

Eu sempre tive um sentido de realidade muito apurado. Lembro-me de estar na praia como o meu pai num Domingo de maré baixa e estendemos as toalhas ao pé das dunas. Contei-lhe que gostava de crescer para poder viajar e ir embora de Barcelos e ele disse-me:

"A maré está baixa hoje. Daqui, das dunas, o mar até parece próximo, mas se tentares caminhar até lá vais ver que vais demorar mais tempo do que aquilo que esperas e vai ser mais cansativo do que parece."

No dia dos namorados eu fui "acusada" de ser romântica porque simplesmente disse que acredito e sempre vou acreditar nas relações, na família, no casamento apesar de todas as transformações que temos sofrido, sobretudo na forma como nos relacionamos.
Talvez o meu romantismo é, na verdade, anti-romântico, pois estou preparada para a desilusão, para os desentendimentos, para as negociações, talvez seja até a fase do romantismo que menos gosto por ser extenuante, por ser um carnaval de meia dúzia de meses, cheio de máscaras e de folias, por ser uma fase muito deslumbrada e tonta, cheia de mentiras até. 

Eu gosto de trabalhar, de caminhar desde as dunas até ao mar em Domingo de maré baixa. 

Confesso que não gosto que me fantasiem muito e nem gosto de fantasiar nada, nem ninguém. Gosto de olhar nos olhos do outro e de me ver reflectida como uma mulher imperfeita, de cabelo seco e emaranhado, com a porcaria das raízes por pintar e com o meu mau feitio e teimosia de quem só sabe estacionar o carro de frente (é verdade!). É no princípio da realidade que assenta o meu romantismo. 

Eu acredito nos meus sonhos porque não os romantizo, porque estou preparada para a dor de cabeça da conquista, para a descarga de adrenalina e para o vazio que fica quando consigo atingi-los.

Ao contrário do que a escritora diz, também nunca me ensinaram que crianças são sinónimo de felicidade e de realização pessoal; as minhas tias, amigas, a minha irmã e todas as mulheres que conheço e que são mães partilham comigo os altos e baixos de maternidade; prefiro não fantasiá-la, assim como não fantasio os casamentos, as relações, as famílias, as profissões e o sucesso. Antes disso, abraço o realismo com uma pitada de humor, muita resiliência, amor e trabalho e talvez assim possa ser mais surpreendida do que desiludida. 

Há uns tempos li outra passagem de um livro de António Coimbra de Matos que partilho aqui e que serve para rematar o meu pensamento de hoje.

"Uma margem de ilusão resta sempre em toda a vida em todos nós - e é o que nos permite o poder criativo e tempera os momentos de tristeza. Sem ela seríamos robôs, máquinas pensantes, autómatos, ficaríamos reduzidos a um pensamento operacional. Mas é igualmente necessário que o processo de desilusão nos conduza a uma razoável aceitação da realidade tal como ela é; de contrário a frustração será sempre excessiva, traumática, patogénica - direi incontrolável e insuportável. 
A aceitação da realidade é uma tarefa humana jamais acabada, mas que está na mira do comportamento lógico, adaptado e do conhecimento científico. A ilusão, a réstia de luar que ilumina o sonho, sem o qual não podemos criar. Ela, a ilusão, está sempre na perspectiva da transcendência que faz de cada homem, para que possa continuar verdadeiramente humano, um artista e um poeta. É neste equilíbrio ilusão-desilusão, entre a arte e a ciência - ainda que a própria ciência enquanto investigação criativa seja principalmente do domínio da arte -, o sonho e a realidade, que transcreve a vida humana."


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Decidi ilustrar este post com algumas fotos da Ergovisão por ser uma marca que remonta a 1995, com origens na cidade de Viseu, sendo que só em 2002 se apresenta ao mercado com a marca "Ergovisão". Este projeto nasceu em 2002 e tem raízes familiares de mais de três décadas de existência. Conheço bem a Sofia e o Pedro, dois irmãos que deram continuidade ao sonho do pai que, certamente, neste momento sentiria 99% de felicidade e 1% de preocupação em relação aos seus filhos e ao trabalho que têm desenvolvido. 

Um abraço a todos e obrigada pela surpresa, por personalizarem os meus óculos com o meu nome. 











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© Chez Lili

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