Corria o ano de 1992 e uma das maiores
frustrações da minha infância era ver os Jogos sem Fronteiras numa
televisão a preto e branco. Tínhamos duas televisões lá em casa.
A caixa preta, moderna e a cores que estava no quarto dos meus pais,
e a outra, que estava na sala, forrada com madeira e
face à qual, perder o relato do Eládio significava perder os
homenzinhos verdes, pois naquela televisão paleolítica todos as
bandeiras competiam em fato de treino ou fato latex cinzento.
Penosas e educativas frustrações infantis.
Levo-as para a vida.
Quando íamos ao supermecado na altura
do Natal - e em todos as alturas em geral - a instrução antes de
sair de casa era sempre a mesma:
- Quando chegarmos à secção dos brinquedos, livra-te de te atirares para o chão a chorar. Vamos comprar necessidades, não vamos comprar brinquedos!
Poder olhar, poder sonhar, mas não poder possuir.
Nem sei bem porquê que vos escrevo sobre isto, sobre frustrações, sobre a gestão emocional das minhas vontades frustradas. Tenho muita paciência. Dizem que está nos astros, sou Touro. Às vezes quase que espero por mim própria.
Ao telefone com uma amiga, contava-lhe:
- Estou a chegar... Estou na paragem sentada. Eles avisaram que ia haver greve dos transportes. Estou a chegar e cada vez mais demoro menos tempo a chegar a mim própria. Sabes, aquelas limpezas que fazemos na Páscoa? É mais ou menos isso. Há uma altura em que o touro bravo se lembra de virar a casa do avesso sem pedir ajuda a ninguém. Arrasta, levanta e muda a disposição de todos os móveis sozinho e, de repente, chegas e não reconheces aquele lugar.
- Sei!
Disse ela.
Nem sempre migalhas é pão como nos ensinam os nossos pais. A paciência de mendigar por coisas pequenas, por amores pequenos, por atenções pequenas. Essa paciência não vem e nem deve vir nos astros de ninguém.
Não me vou atirar para o chão a
chorar, mas acredito que nem todos os brinquedos sejam desejos, há
brinquedos que viram necessidades também. A necessidade de
recompensa por aquilo que lutamos, por aquilo que somos. Quando me
cansava do Eládio a preto e branco, lutava por um lugar na
cama dos meus pais só para ver os Jogos sem Fronteiras a cores. Lá
adormecia entre eles, de vez em quando.... muito de vez em quando.
Às vezes só temos de ensinar ao mundo como
queremos ser tratados.
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