As pessoas do trabalho de todos os dias...

(Escrito na sexta feira: 10 de Março de 2017)









A semana vai acabar com um jantar na casa de um casal português que conhecemos aqui em Londres, em contexto de trabalho. Eu conheci a Sara num part time e simpatizei imediatamente com ela e com a sua energia; é extremamente trabalhadora e perfeccionista, com um sentido de equipa incrível e adora o que faz. A Sara faz tratamentos de beleza, tratamentos de corpo e de rosto sendo terapeuta num Spa e manager do respectivo espaço.

Trabalhei na recepção do Spa da Sara. Aprendi imenso sobretudo porque é um Spa que faz parte de um hotel, o que me proporcionou não só aprender sobre a área de beleza, dos tratamentos, dos produtos usados como também sobre a área da hotelaria e do respectivo atendimento ao cliente nesse mesmo contexto. Nos dias mais calmos, as minhas colegas davam-me alguns mimos, como massagens gratuitas, tratamentos de waxing, manicure e pedicure.

Caí naquele trabalho de pára-quedas. Vim para Londres estudar representação e para ser capaz de competir a uma escala global, mas nem sempre se pode viver só do que se gosta. Mas realizo cada vez mais que quando mais vivo e quantas mais experiências tenho noutras áreas, mais capaz me sinto como actriz. 

Falando em trabalhar em coisas que gostamos menos, não sei se isto vos acontece, mas por vezes custa mais o caminho até chegar ao trabalho que o próprio dia inteiro de trabalho. Aquelas horas anteriores podem ser um verdadeiro massacre mental e espiritual. Porém, quando finalmente chego ao local, já me sinto melhor, gozo da companhia dos meus colegas, despacho-me a fazer o que tem que ser feito e pouco questiono se a vida é justa ou injusta, se devia estar noutro trabalho, noutro sitio. No fim do dia, o trabalho acaba por me distrair e por me fazer sentir incluída. Tive a sorte de pertencer a duas equipas fantásticas nos dois últimos trabalhos que tive aqui em Londres. Às vezes o dia corria mal, mas sofríamos juntos e ríamos juntos também. Eu podia falhar e pedir ajuda, eu queria ter problemas para os aprender a resolver, para pedir ajuda e para assim, mais tarde, poder eventualmente ajudar alguém, ensinar alguém também.

O trabalho dá saúde, dizem. A mim deu-me muitos amigos. Não faltam talentos escondidos nas equipas onde trabalhei, não faltam sonhos e passados curiosos. Há pouco tempo recebi uma chamada da minha agência sobre um sessão fotográfica que ia calhar numa sexta feira. Disse que sim, confiando que a minha gerente me ia dar folga nesse dia. Confiei e confiei bem, pois abri o jogo e ela acabou por me dar o dia livre. Não foi uma folga gratuita, mas uma folga em troca de um outro favor qualquer, mas tudo bem.  A verdade é que ao expôr o meu trabalho de actriz acabei por descobrir as vidas paralelas de outros membros da equipa: a Maria estuda jornalismo musical e é uma verdadeira enciclopédia da área, a Lara foi bailarina, a Ester faz vídeos de maquilhagem, a Catarina trabalhou em produção e marketing e adora fotografia, o Pablo e a Diana são advogados, embora a Diana tenha um talento para mecânica automóvel, a rapariga troca pneus e trata da saúde dos carros dos amigos com muito talento, gozo e facilidade. 

Quando penso que o que faço não tem nada a ver comigo, penso nas pessoas que estão por trás de cada função e no quão pouco um trabalho, um ganha-pão nos define. Mas é isso mesmo: um ganha-pão. Porém, gostar de uma equipa de trabalho também pode ser um pau de dois bicos. Vamos permanecendo numa função e numa empresa, pela equipa, pelas pessoas e não pela função em si. Essa já deixou de nos desafiar há muito, já deixou de nos fazer crescer há mais que muito, mas vamos ficando. Quando chegamos ao trabalho de todos os dias, fazêmo-lo e pronto. Cansamo-nos sabendo que há um nível de cansaço que nos faz sentir bem, que nos dá aquela sensação de missão cumprida, que permite, no fim, a preguiça, a merecida preguiça; permite e desculpa que eu chegue a casa e que adie os meus sonhos e o trabalho que eles exigem, porque mereço o meu descanso.

Isso assusta-me. Só isso. O ir ficando... e todos os verbos neste presente contínuo. O tempo verbal que me vai mantendo no ganha-pão de todos os dias e me vai afastando do ganha-alma.











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© Chez Lili

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